O papel das universidades brasileiras na crise climática
Como as universidades têm se posicionado às mudanças climáticas?
Desde o seu surgimento na era medieval, as universidades vêm transformando o seu papel e propósito de acordo com as demandas da sociedade, para além da formação e pesquisa científica (Colus & Carneiro, 2021). O papel das universidades como agente do desenvolvimento socioeconômico tem ganhado importância para a promoção de iniciativas de sustentabilidade e implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS (Leal Filho et al., 2019).
Recentemente, o tema que tem sido questionado é como as universidades têm respondido à crise climática. Em outras palavras, a questão é se a comunidade acadêmica está disposta a transcender o escopo tradicional do trabalho e abraçar um papel mais ativo na promoção da sustentabilidade, considerando discussões além das fronteiras das salas de aula e a adesão de mudanças práticas e políticas sustentáveis (Capstick et al., 2014).
Alguns exemplos de ações práticas são o cálculo da pegada de carbono do campus, comprometimentos para redução das emissões de gases de efeito estufa, promoção de capacitações para a comunidade externa e a reformulação do currículo atual para formação do tema climático em todas as áreas do conhecimento (Latter & Capstick, 2021; Leal Filho et al., 2023; Ssekamatte, 2023).
Concomitantemente ao desenvolvimento dos novos papéis das universidades, ao longo dos anos foram surgindo diferentes rankings do ensino superior, como forma de promover o trabalho feito por essas instituições e, dessa forma, elas ganham reputação, atraem talentos e investimentos. O maior exemplo é o “Times Higher Education World University Rankings”, o qual avalia e classifica as instituições de ensino superior com base em critérios, como qualidade de ensino, pesquisa, citações acadêmicas, perspectiva internacional e transferência de conhecimento (Times Higher Education, 2023).
A disputa pela reputação e um bom posicionamento nos rankings pode gerar uma competição não muito saudável entre acadêmicos e as instituições. Entretanto, para outros propósitos pode ser um fator positivo, como a implementação de iniciativas de impacto socioambiental. É o caso dos recentes rankings na área de sustentabilidade, como o “UI GreenMetric World University Ranking”, com indicadores que analisam o comprometimento para um campus verde e sustentabilidade ambiental (UI Green Metric, 2023). E o “QS World University Rankings: Sustainability” (QS World University Rankings, 2023), com indicadores baseados em desafios do tripé ASG (ou ESG, em inglês), ambiental, social e governança. No fim, o envolvimento e as contribuições das universidades para abordar os desafios globais resultam em uma melhoria de suas posições no ranking (Ssekamatte, 2023).
Com interesse e curiosidade em entender o contexto das universidades brasileiras em relação à emergência climática, selecionei as cinco primeiras universidades que aparecem no ranking das melhores universidades do Brasil, pela Times Higher Education 2024 (Tabela 1), e analisei o website de cada instituição com o intuito de verificar como é feita a comunicação dos planos ou de qualquer ação que pudesse ser caracterizada como um posicionamento à crise climática ou à promoção da sustentabilidade.
Tabela 1: Universidades brasileiras e seus respectivos rankings, sendo o UI Green Metric e o QS focado em Sustentabilidade.
Com a análise dos websites feita em dezembro de 2023, apenas a Unicamp apresentou na página inicial uma chamada sobre a relação da universidade com a crise climática. Mas isso, pode ter sido influenciado devido à sua recente participação na COP28, já que em janeiro de 2024, essa chamada já perdeu destaque na página inicial.
No caso das outras universidades, foi preciso navegar com mais atenção para encontrar seções com projetos relacionados à estratégia de sustentabilidade. Esses projetos ou documentos estratégicos foram encontrados principalmente na seção “institucional” ou “reitoria”. Nenhum dos planos se apresentou usando as palavras “mudanças climáticas”, mas sim com os termos “Plano Diretor”, “Políticas Ambientais”, “Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI, com capítulos de Sustentabilidade”. Nenhuma das universidades apresentou uma “declaração oficial de emergência climática,” como no caso das universidades do Reino Unido (Latter & Capstick, 2021).
Interessante notar que a USP é classificada em 8º lugar do mundo no “QS World Universities Ranking” de Sustentabilidade, mas não tem nenhuma menção desse grande feito na página principal do site institucional. Apesar dessas universidades possuírem boas posições nos rankings internacionais, com exceção da Unesp, não identifiquei destaque de fácil acesso para essas colocações em suas comunicações institucionais.
Fatos curiosos que descobri nas buscas
A Universidade de São Paulo criou em 2012 a Superintendência de Gestão Ambiental – SGA com o objetivo de planejar, implantar, manter e promover a sustentabilidade ambiental nos campi.
A USP tem publicado um livro intitulado “Universidades & Sustentabilidade: práticas e indicadores.”
O INCLINE, criado em 2011 na USP, é um centro de apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas.
A Unicamp têm em seu Plano Diretor 2021-2030 a visão de ser a “universidade brasileira com menor impacto ambiental até 2030”.
Possui uma Coordenadoria de Divisão de Sustentabilidade que abriga o Escritório Campus Sustentável e o projeto do HUB Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS).
O Projeto Campus Sustentável é uma parceria entre a Unicamp e a CPFL Energia que se iniciou em agosto de 2017 e que possui, entre diversos objetivos, o propósito de transformar a Unicamp no maior Laboratório Vivo de Sustentabilidade Energética da América Latina.
Em outubro de 2023, com a meta de ser uma referência brasileira em universidade sustentável, a UFRJ iniciou uma comissão que irá reunir iniciativas da universidade para elaborar a Política de Sustentabilidade e formar nos campi “espaços de experiências que respondam a demandas cada vez mais urgentes da sociedade em relação à produção de energia, consumo de água, saneamento,
reaproveitamento de resíduos, entre outros.”
A UFRGS formalizou sua participação na Agenda Ambiental na Administração Pública – A3P, um programa estabelecido pelo Governo Federal em 2001. O propósito da iniciativa é motivar os gestores públicos a integrar princípios e critérios de gestão socioambiental em suas práticas diárias. A assinatura do termo de adesão com a universidade ocorreu em outubro de 2022.
Nenhuma das universidades apresentou uma sessão exclusiva sobre mudanças climáticas para a comunidade externa, como oferta de palestras, formações ou workshops - pelo menos para o ano de 2023.
Conclusões
No geral, há um problema de falta de comunicação dos projetos, metas e posicionamento das universidades brasileiras em relação à crise climática. Provavelmente existem iniciativas estratégicas, metas e/ou projetos relacionados a esse tema, até pelo fato de participarem de rankings internacionais de sustentabilidade. Porém, essas evidências não estão disponíveis para a comunidade, mesmo sendo universidades públicas. Apesar de não apresentarem de fácil acesso o seu posicionamento, metas e iniciativas, todas as universidades apresentaram de alguma maneira um planejamento estratégico na temática da sustentabilidade, dando destaque à implementação dos ODSs.
Esta breve análise foi feita baseada em informações disponíveis na internet em um período curto entre Dezembro de 2023 e Janeiro de 2024. Portanto, há limitações na análise e na acurácia das informações, o que demanda estudos futuros mais aprofundados, que pudesse incluir entrevistas com os gestores das universidades, assim como com a comunidade acadêmica, para entender a percepção deles em relação à comunicação e à existência das iniciativas da universidade. De qualquer maneira, fica como recomendação para as universidades brasileiras aumentar a comunicação e transparência sobre as iniciativas sustentáveis da instituição, principalmente para a comunidade externa. Assim como um posicionamento mais claro de como a universidade propõe ações para combater as mudanças climáticas, para além das pesquisas científicas.
Referências
Capstick, S., Lorenzoni, I., Corner, C., and Whitmarsh, L. (2014). Prospects for radical emissions reduction through behavior and lifestyle change. Carbon Manag. 5:4. https://doi.org/10.1080/17583004.2015.1020011
Colus, F. S. O., and Carneiro, A. M. (2021) Abordagens teóricas sobre o engajamento das universidades com a sociedade: contextualização e desenvolvimento. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 13, n. 28, p. 9-27 . https://doi.org/10.33871/nupem.2021.13.28.9-27
Latter, B. and Capstick, S. (2021) Climate Emergency: UK Universities' Declarations and Their Role in Responding to Climate Change. Front. Sustain. 2:660596. https://doi.org/10.3389/frsus.2021.660596
Leal Filho, W. et al. (2019) Sustainable Development Goals and sustainability teaching at universities: Falling behind or getting ahead of the pack?. J. Clean. Prod. 232, 285–294.
Leal Filho, W., Weissenberger, S., Luetz, J.M. et al. (2023) Towards a greater engagement of universities in addressing climate change challenges. Sci Rep 13, 19030. https://doi.org/10.1038/s41598-023-45866-x
QS World University Rankings: Sustainability. Ranking by region - Latin America. Disponível online em: https://www.topuniversities.com/sustainability-rankings/2023?region=Latin%20America (2023)
Ssekamatte, D. (2023) The role of the university and institutional support for climate change education interventions at two African universities. High Educ 85, 187–201. https://doi.org/10.1007/s10734-022-00828-6
Times Higher Education (2024). Disponível online em: https://www.timeshighereducation.com/
UI Green Metric World University Ranking. Ranking by country - Brazil (2023). Disponível online em: https://greenmetric.ui.ac.id/rankings/ranking-by-country-2023/Brazil
Universidade de São Paulo. USP. Portal Oficial (2024). Disponível online em: https://www5.usp.br/
Universidade Estadual de Campinas. Unicamp. Portal Oficial (2024). Disponível online em: https://www.unicamp.br/unicamp/
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Unesp. Portal Oficial (2024). Disponível online em: https://www2.unesp.br/portal#!/
Universidade Federal do Rio de Janeiro. UFRJ. Portal Oficial (2024). Disponível online em: https://ufrj.br/
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRGS. Portal Oficial (2024). Disponível online em: http://www.ufrgs.br/ufrgs/inicial