Quem combate a desinformação no Brasil?
O ano de 2024 iniciou com a publicação do relatório do Fórum Econômico Mundial indicando a desinformação como um dos três principais riscos para a humanidade para os próximos dois anos (os outros riscos são os eventos climáticos extremos e a polarização). Mas antes de citar algumas iniciativas brasileiras que trabalham nessa temática, vou resumir o que neste texto eu vou considerar como desinformação, emprestando o conceito da pesquisadora Kathie Treen e colaboradores, em seu artigo de 2019, Online misinformation about climate change.
Basicamente há duas definições nesse tema, que eu tentei traduzir ao português:
Informação incorreta (misinformation): é a “informação enganosa criada e disseminada, independentemente de haver intenção de enganar.”
Desinformação (disinformation): é a “informação enganosa criada e disseminada com a intenção de enganar.”
Os autores trazem neste artigo de revisão diversos tipos de definições, o que demonstra ser um conceito recente e que os acadêmicos ainda não definiram um consenso. Entretanto, de modo geral, essa definição fica fácil para entender: a desinformação tem a intenção de enganar e influenciar as opiniões, ainda que um pedaço da informação seja correta, mas que intencionalmente foi colocada fora de contexto para trazer confusão.
Globalmente, o uso desse termo vem se intensificando desde 2016, com a ascensão de governos negacionistas, das redes sociais, pandemia, guerras e o má uso de tecnologias sofisticadas, como a inteligência artificial. O artigo comenta com mais detalhes quem são os principais atores envolvidos na disseminação da desinformação, com foco no tema climático. Vale ressaltar que aqui são pessoas que estão dentro desses grupos e não que esses grupos são os responsáveis pela desinformação. Como são atores que possuem certa credibilidade na sociedade, as pessoas usam esses “crachás” para enganar. Em resumo, são eles: a) cientistas, b) governos, c) organizações políticas e religiosas, d) indústria, e) mídia, f) público em geral. O artigo fala que tanto investimento de corporações como o filantrópico são os principais financiadores para a desinformação climática. Por isso que precisamos questionar absolutamente tudo. É preciso desconfiar das fontes e maneiras de como a informação chega.
O artigo também comenta que a desinformação está relacionada ao ceticismo e à negação. Como o famoso divulgador de ciência brasileiro Sérgio Sacani fala (que ele também empresta o conceito de outro cientista), ‘os negacionistas, por exemplo, se aproveitam das explicações complexas dos cientistas para criar confusão, criar conceitos errados e fazer o uso da desinformação'. Quanto mais simples a informação, menor a chance de dar essa abertura’. A cientista Katharine Hayhoe também comenta em suas palestras sobre como a distância psicológica da sociedade em relação à problemas que a ciência traz é uma forma de defesa e que pode dar brecha à desinformação. Para quem quer ficar atualizado com as ciências climáticas e ter ideias de como divulgar informações corretas sobre o assunto, sugiro segui-la.
Porém, há formas de combater a desinformação. O texto traz algumas estratégias, entre elas, a) responder com fatos e informações corretas; b) detectar contas suspeitas; c) “inoculação”, ou seja, uma abordagem de combate à desinformação, como uma espécie de “vacina”. Este artigo é da área da ciência da computação, portanto, para quem tem interesse na explicação mais técnica, sugiro a leitura na íntegra do artigo original.
Depois de ler o artigo, eu fiquei curiosa em saber quem combate a desinformação no Brasil. Há muitas pessoas com certa influência que se posicionam quando uma fake news viraliza. Mas também há organizações e movimentos específicos para combater a desinformação, em diferentes formas de atuação. Quando realizei a busca, mais uma vez encontrei exemplo de cientistas e organizações da sociedade civil atuando juntos para trabalhar nessa problemática.
Abaixo, uma pequena lista de iniciativas. Caso queira contribuir indicando outras, só deixar nos comentários.
Iniciativas com foco no combate à desinformação climática no Brasil
Organização sem fins lucrativos, o Instituto ClimaInfo “surge com o objetivo de oferecer um ambiente livre de especulações e fake news sobre mudanças climáticas para contribuir com um debate produtivo, baseado em fatos e dados reais, sobre ações e políticas para a mitigação e a adaptação às consequentes mudanças climáticas globais. No ClimaInfo você encontrará notícias, estudos e pesquisas sobre os vários temas relacionados às mudanças do clima, além de entrevistas, análises e verificações de fatos.”
Com foco em combater a desinformação ambiental, o “Fakebook.eco é uma iniciativa do Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil” e já citado neste texto. “Ele é a junção de dois outros projetos: o Fakebook, produzido em colaboração pelo OC, o Greenpeace e o ClimaInfo em 2019, e o Agromitômetro, a iniciativa de checagem de informações ambientais do OC existente desde 2018.”
É uma iniciativa do InfoAmazonia e da produtora FALA, que “revela os bastidores da desinformação socioambiental nas plataformas digitais no Brasil e os interesses políticos e econômicos por trás da indústria de fake news que você nem imagina”. Além de conteúdos educativos e podcast, eles monitoram “a partir de palavras-chave relacionadas a justiça social e meio ambiente, desinformação sobre a Amazônia nas redes sociais, em grupos públicos de aplicativos de mensagem e em plataformas.” Em janeiro de 2024, conquistaram o terceiro lugar no prêmio internacional de impacto social no Anthem Awards, na categoria Colaboração entre Influenciadores em Clima e Meio Ambiente.
Programa da Secretaria Geral das Nações Unidas com a Purpose, que tem como objetivo combater notícias de desinformação sobre clima dentro do Tik-Tok.
Iniciativas de combate à desinformação (de modo geral) no Brasil
Como eles mesmos se apresentam: “informação confiável sobre desinformação”.
Analisam o impacto da desinformação na sociedade e discutem as formas de combatê-la, por meio de conteúdos no site, redes sociais e uma série de entrevistas com especialistas em desinformação no canal do YouTube. Possuem algumas frentes de discussão, como o uso da Inteligência Artificial na disseminação da desinformação.
Aqui apenas destacando a apresentação que eles fazem no site: “Foi criado para combater práticas que afetam a confiança das pessoas no Supremo, distorcem ou alteram o significado das decisões e colocam em risco direitos fundamentais e a estabilidade democrática.” Na parte de notícias, é possível ver o que já foi desmentido por eles.
Nascida dentro da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2019, como uma pesquisa de Pós-Doutorado, e depois apresentada ao projeto Mandacaru (voluntários de diversas áreas da ciência), hoje “interliga projetos e instituições de diversas naturezas que trabalham e contribuem de alguma forma para combater o mercado da desinformação que floresce em nosso Brasil.” Possuem um "fact-checking" no site, discussão de notícias recentes, produzem conteúdo para redes sociais e eventos educativos.
A Lupa se posiciona como um Hub de soluções de combate à desinformação, por meio do jornalismo e da educação midiática. Fundada em 2015 como uma “agência de notícias especializada em fact-checking, expandiu suas atividades para o ensino de técnicas de checagem e para a sensibilização sobre desinformação e seus riscos.”
Emprestando a definição deles, Aos Fatos “é uma organização jornalística dedicada à investigação de campanhas de desinformação e à checagem de fatos. Aposta no híbrido entre tecnologia e investigação jornalística para informar sobre as mentiras que os políticos contam, as campanhas de desinformação que os poderosos coordenam e a influência das empresas de tecnologia nesse ambiente. Sua produção baseia-se em uma rigorosa metodologia de apuração e verificação reconhecida por parcerias transnacionais, premiações e instituições de Estado.”
Sleep Giants Brasil atua no combate à desinformação e ao discurso de ódio. Como eles mesmos se posicionam, eles batem de frente “com pressões políticas, corporativas, assédio jurídico e lobbies bilionários do Vale do Silício.”
Sugiro ver qual dessas iniciativas você mais se identifica para poder seguir e ter uma fonte segura de checagem de informações.
Iniciativa de Educação e capacitação de professores
E como uma última sugestão, durante a pesquisa encontrei uma iniciativa muito interessante que atua na educação midiática de jovens, por meio de um programa de capacitação de professores. É um programa que foi criado para trabalhar três competências centrais: “interpretação crítica das informações, produção ativa de conteúdos e participação responsável na sociedade.” É bem interessante ver esse tipo de abordagem, já atuando na formação da nova geração. Saiba mais em Educamídia ou pelo Instagram.
Indicação extra
Não tem como não relacionar a problemática da desinformação com o greenwashing. Apesar de não ter sido discutido aqui neste texto o que é o greenwashing, deixo esse excelente episódio do Podcast da Rádio Escafandro (Salve o planeta, pergunte-me como), que fez um trabalho incrível e muito didático para quem quer se informar - de forma correta - e entender essa realidade no Brasil. Vale a pena escutar e ver como as informações podem ser manipuladas.